Paul Singer, por Frederico Mazzucchelli

“Aos meus filhos e seus companheiros de geração, para que façam mais e melhor”. Eis a dedicatória de Paul Singer em ‘Desenvolvimento e Crise’ [Difusão Europeia do Livro, 1968]. Tais palavras têm um significado múltiplo: o amor incondicional aos seus, o compromisso com a transformação, a esperança na juventude e a permanente busca do aperfeiçoamento. Paul carregou esses sentimentos e aspirações ao longo de toda sua vida. A coerência e correção de sua conduta hoje são raras. A sociedade do espetáculo, dos protagonistas efêmeros, pouca importância dá a homens de sua envergadura moral.

Foi como seu assistente de pesquisa que o conheci em 1970, quando ingressei no CEBRAP. Tive a honra de auxiliá-lo na elaboração do Caderno CEBRAP ‘Emprego e Força de Trabalho no Brasil’. Como economista, Paul reuniu incontáveis atributos: sua sólida formação teórica incluía o domínio das obras de Marx, Keynes, Smith, Ricardo, Marshall, Galbraith, entre tantos, em notória contraposição ao vazio intelectual da síntese neoclássica, monotonamente declamada nos anos 1960 e 1970.

Seu domínio da história enriqueceu de modo marcante o alcance de suas investigações. Em seus livros propedêuticos ‘Curso de Introdução à Economia Política’ [Forense Universitária, 1975] e ‘Aprender Economia’ [Brasiliense, 1983] é explícita a referência às conjunturas históricas, o que dá sentido e profundidade à sua exposição. O contraste com os textos introdutórios da entediante e inócua Ciência Econômica (Economics) é flagrante.

Seu rigor analítico se destacava pelo criterioso uso dos dados: chamava atenção a facilidade com que Paul concebia, elaborava e interpretava as informações estatísticas. Quem lê ‘Dominação e Desigualdade – Estrutura de Classes e Repartição da Renda no Brasil’ [Paz e Terra, 1981] se dá conta da robusta fundamentação empírica de sua reflexão.

Paul, na verdade, era incansável. Seus trabalhos sobre urbanização – ‘Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana’ [Companhia Editora Nacional, 1968] e ‘Economia Política da Urbanização’ [Brasiliense/CEBRAP, 1973] -, sobre a conjuntura econômica nacional – ‘A Crise do Milagre’ [Paz e Terra, 1976] e ‘O Dia da Lagarta – Democratização e Conflito no Brasil do Cruzado’ [Brasilense 1987] -, e sua atuação governamental no âmbito da economia solidária evidenciam a ação de um intelectual sempre disposto a ampliar o objeto de suas investigações e sempre pronto a enfrentar desafios.

A marcha da vida é inexorável. Paul nos deixou, assim como tantos companheiros queridos do CEBRAP – Octávio Ianni, Juarez Brandão Lopes, Cândido Procópio Ferreira Camargo, Carlos Estevam Martins – já nos deixaram. Paul foi um socialista convicto e um democrata exemplar. A delicadeza de seus gestos, a permanente disposição ao diálogo e sua insuperável didática serão sempre lembradas. Paul nos deixa um legado de honradez, trabalho e solidariedade. Façamos por merecê-lo!

Frederico Mazzucchelli foi por trinta anos professor do Instituto de Economia da Unicamp e, entre 1987 e 1992, foi secretário do Planejamento e secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. É autor de livros como ‘A contradição em processo: o capitalismo e suas crises’ [1985], ‘Os anos de chumbo: economia e política internacional no entreguerras’ [2009], ‘Os dias de sol: a trajetória do capitalismo no pós-guerra’ [2014] e ‘As ideias e os fatos: ensaios em teoria e história’ [2017].

p.s.: A ilustração que acompanha este texto é de Augusto Ortiz dos Zevallos e foi feita durante o seminário “La Ciudad Latino Americana del Futuro” [Buenos Aires, 1990].

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