A IMPRENSA E A POLÍTICA EXTERNA NO GOVERNO BOLSONARO
A proporção de formadores de opinião que apoiou publicamente a política externa do governo Jair Bolsonaro, no segundo semestre de 2019 foi próxima dos 15%. O percentual dos que o fizeram variou segundo os diferentes veículos.
Nosso termômetro CEBRAP indica:
%
de artigos favoráveis
à Política Externa*
*Frequência média de todos os veículos
%
de artigos favoráveis
à Política Externa**
** Frequência média de todos os veículos, retirando o Gazeta do Povo
Confira abaixo a posição frente à política externa de articulistas e editorialistas de diferentes jornais:
Confira a análise do veículo do jornal O Globo
O Globo obteve um aumento expressivo na quantidade de publicações sobre política externa e foi o jornal com maior número de artigos analisados no 2º semestre de 2019 (de 90 para 184) e permanece como o mais crítico à política externa, com mais de 80% de artigos desfavoráveis.
Os assuntos mais tratados foram a diplomacia presidencial (45), questões ambientais (27), a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington (24) e o discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU (18).
As críticas se concentraram na diplomacia presidencial (128), nas relações com os países da região (27) – destacadamente a Argentina – e com a China (23) e na atuação do ministro das Relações Exteriores (19). Sublinha-se a condução do governo de dois episódios relacionados à questão ambiental: as queimadas na Amazônia e ao derramamento de petróleo na costa brasileira.
Todos os artigos favoráveis foram de colunistas, tratando de assuntos diversos.
Por fim, é possível dizer que neste semestre tratou-se mais de eventos específicos da política externa, em detrimento de temas tradicionais, ainda que o jornal mantenha a posição universalista, globalista e multilateralista para maior inserção internacional do Brasil.
Confira a análise do veículo do jornal Estadão
A política externa brasileira foi tema recorrente no jornal O Estado de S. Paulo, contando com um aumento de 20 artigos em relação ao semestre passado (de 125 para 145 artigos e editoriais). Mais de dois terços dos artigos e editoriais foram contrários à política externa de Bolsonaro, e apenas 20 se posicionaram como neutros, registrando, também, aumento.
Os assuntos mais discutidos foram questões ambientais e climáticas (21), a diplomacia presidencial (20), a indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixador nos EUA (17) e o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (11).
As críticas concentraram-se, outra vez, na Diplomacia Presidencial (90), tida como inadequada e marcada pela inaptidão em episódios diversos, como o discurso na Assembleia Geral da ONU. Também foram criticadas as relações com EUA (24) e China (19) frente a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada estadunidense e o alinhamento automático brasileiro aos EUA em contraponto às relações com a China. Falou-se muito sobre questões ambientais e climáticas (30), criticando as políticas adotadas para as crises da Amazônia e do vazamento de petróleo na costa brasileira.
Do total de artigos e editoriais, apenas 26 foram favoráveis à política externa atual e cuja maioria discute o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, fechado no último semestre após anos de negociação. Outros temas como comércio exterior, relações bilaterais, reformas do sistema internacional e questões ideológicas foram mencionados, mas sem grande destaque.
Em resumo, O Estado de S. Paulo, ainda que favorável frente aos temas tradicionais da política externa como globalismo, universalismo e multilateralismo, focou em eventos e atores específicos, como o presidente, temas ambientais e a indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixada em Washington.
Confira a análise do veículo do valor econômico
No segundo semestre de 2019, o jornal Valor Econômico publicou 25 artigos e editoriais relacionados à política externa. A maior parte criticou o governo (11), embora 9 artigos tenham se posicionado em favor das políticas adotadas.
O assunto mais discutido (6 artigos) foi o Acordo Comercial entre Mercosul e União Europeia. A metade dos editorialistas defenderam que a iniciativa representa marco de integração entre os dois blocos, cujos ganhos no setor do agronegócio se mostram inovadores. Os que criticam o acordo apontam para diferenças estruturais entre os dois blocos, cujas consequências à longo prazo solaparão o crescimento econômico brasileiro.
Em segundo lugar (4 artigos), tratou-se sobre o projeto de liberalização cambial. Dois artigos se colocaram a favor da medida, argumentando que essa reforma proporcionaria ao Brasil maior inserção na economia mundial. O artigo que criticou o projeto não questionou sua importância, mas defendeu a inviabilidade de implementá-lo atualmente, momento em que o Brasil não se encontraria estabilizado suficientemente para aguentar seus impactos negativos.
Por fim e empatados (3 artigos cada), discutiu-se a inserção internacional do Brasil e sua postura frente a questão ambiental.
Sobre a inserção internacional, dois artigos discutiram a importância do agronegócio brasileiro. O que se posicionou a favor do governo destacou a relevância do setor na economia global, cujo crescimento depende do aprofundamento das relações do Brasil com Ásia e África. O que se posicionou contrário reiterou a importância da Ásia para expansão da participação brasileira na economia internacional, mas argumentou pela incorporação de normas para padronização das atividades do agronegócio nos acordos dos quais o Brasil faz parte ou pleiteia participar.
A questão ambiental, por outro lado, foi criticada em todos artigos. Dois fizeram referência às queimadas na Amazônia, discordando da postura assumida pelo presidente, que descartou os recursos do Fundo Amazônico e colocou em risco o firmamento do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia. O outro tratou sobre o derramamento de óleo no litoral nordestino, criticando a ausência brasileira em convenções que versam sobre a temática, cuja implicação imediata teria sido a absorção de compensações internacionais.
Em resumo, o jornal Valor Econômico mais uma vez abordou majoritariamente temas de comércio e inserção internacional do Brasil nos seus artigos e editoriais sobre política externa. Das temáticas gerais, manteve-se em favor do globalismo, do multilateralismo e empatou na defesa do universalismo e regionalismo.
Confira a análise do veículo do jornal Folha de S. Paulo
No segundo semestre de 2019, o jornal Folha de S. Paulo publicou 111 artigos e editoriais relacionados à política externa, sendo a maior parte contrário ao governo (88 artigos). Os demais assumiram postura neutra (11) ou favorável (12).
Dos assuntos que mais repercutiram, a crise ambiental do final de agosto suscitou a maior parte dos artigos contrários (30 artigos). De um lado, criticou-se a postura do presidente diante as respostas requeridas pelos atores internacionais (11 dos 30 artigos). De outro, questionou-se quanto e como a resposta aos incêndios na Amazônia ameaçavam o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Em segundo lugar, discutiu-se a promoção de Eduardo Bolsonaro ao posto de Embaixador nos Estados Unidos. Dos 12 artigos, apenas dois se colocaram de maneira neutra, enquanto o resto criticou a pauta. As razões das críticas são diversas, compreendendo desde a falta de experiência e passagem de Eduardo pela carreira diplomática até acusações de nepotismo.
Empatado com o anterior (12 artigos), reprovou-se em totalidade a participação do presidente na Assembleia das Nações Unidas. A maioria dos colunistas e editorialistas debateu o discurso de abertura, defendendo que a postura adotada pelo presidente não coadunava com a tradição brasileira de defender o multilateralismo, podendo colocar o país em uma situação de desvantagem e isolamento internacional. Outro ponto amplamente criticado foi sua manifestação sobre a questão ambiental, contrária à imagem do Brasil como potência ambiental.
Por último, se destacou a relação com a Argentina (5 artigos). Reprovou-se a postura ideológica assumida pelo presidente Bolsonaro frente à eleição de Fernández, no prognóstico de que a Argentina é importante parceiro comercial do Brasil e nação ímpar para existência do Mercosul. Desse modo, não deveria, em nenhuma instância, ser isolada.
Em suma, o jornal Folha de S. Paulo manteve sua postura editorial pluralista, apesar de ter aumentado a quantidade de artigos contrários ao governo. Das temáticas gerais, mostrou-se majoritariamente favorável à políticas e posturas que enfatizassem o globalismo, multilateralismo e universalismo.
Confira a análise do veículo do jornal Gazeta do Povo
No jornal Gazeta do Povo, destacam-se 47 artigos e editoriais publicados. Sem registros neutros, 26 das publicações são contra a política externa de Bolsonaro, enquanto 21 são a favor. Destacam-se assuntos como a sugestão do nome do deputado federal Eduardo Bolsonaro para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos da América (com 10 artigos), o discurso do presidente na Organização das Nações Unidas (ONU) (7), relações com países como a China (5), os Estados Unidos (5), a Argentina (4), além da diplomacia presidencial (4).
O jornal Gazeta do povo e seus colaboradores foram contrários à ideia de se ter Eduardo Bolsonaro embaixador em Washington. Na maioria dos argumentos, aliás, para todas as publicações levantadas sobre esse assunto, o filho do presidente na época não preenchia condições necessárias para liderar a representação diplomática do Brasil em uma de suas principais embaixadas, o que levou a críticas ao presidente pela ideia de propor o filho “03”. Esse assunto justificou quase metade das críticas registradas à política externa do governo – em números mais reduzidos, outras pautas que também receberam apenas críticas dizem respeito a questões ambientais (2 artigos), e relações com o nosso bloco regional, o Mercosul (2), com a França (1) e com o Paraguai (1).
Por outro lado, já em outro dos assuntos mais comentados, a Gazeta do Povo e seus colaboradores assumiram uma posição mais favorável ao discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura dos debates gerais da 74ª Assembleia Geral da ONU. Cinco dos artigos sobre o tema elogiaram a abordagem do presidente em Nova York, enquanto apenas dois foram críticos. Da mesma forma, o acordo Mercosul-União Europeia (1 artigo) e as relações com a China (5), Cuba (1) e Chile (1) atraíram análises favoráveis. No caso da China, em cinco artigos que trataram do assunto apenas um não é favorável às relações e não apoia o governo nesse sentido, já os restantes são tanto favoráveis às ações do presidente (diplomacia presidencial) como apoiam a política do governo com o país asiático.
Em relação ao comércio internacional, dois artigos foram críticos e um favorável – a posição favorável refere-se ao acordo alcançado entre o Mercosul e a Associação Europeia de Comércio Livre (Efta), enquanto as posições mais críticas, uma focada no déficit público dos EUA e a outra sobre relações com a Rússia e com a China, recomendaram ao Brasil repensar suas políticas comerciais com esses três países.
Em suma, nota-se que, apesar dos registros de 25 textos críticos da política externa de Bolsonaro contra 19 a favor, exceto por questões discrepantes envolvendo Eduardo Bolsonaro como embaixador nos EUA, em que de fato registrou-se enorme desaprovação, a Gazeta do Povo e sua equipe, no geral, aprovam o estilo atual da diplomacia presidencial brasileira, mostrando-se igualmente mais favoráveis e menos críticos a política externa do governo, e também defendem a participação do Brasil nas negociações comerciais bilaterais.
Resumo dos assuntos tratados nos artigos
Assuntos tratados |
||
Temas |
Número Absoluto |
Frequência Relativa |
Diplomacia Presidencial | 102 | 20% |
Questão ambiental | 89 | 17,4% |
Eduardo embaixador | 62 | 12,1% |
Bolsonaro na ONU | 39 | 7,6% |
Relações Brasil-EUA | 31 | 6,1% |
MERCOSUL-UE | 28 | 5,5% |
COMEX | 18 | 3,5% |
Relações Argentina | 17 | 3,3% |
Relações China | 17 | 3,3% |
Política Externa | 14 | 2,7% |
Relações Paraguai | 9 | 1,8% |
Mercosul | 9 | 1,8% |
Ideologia | 8 | 1,6% |
BRICS | 6 | 1,2% |
OCDE | 5 | 1% |
Eleições Argentina | 5 | 1% |
Ministro das relações exteriores | 5 | 1% |
Inserção internacional | 5 | 1% |
Reformas | 5 | 1% |
Política Comercial | 5 | 1% |
Outros* | 32 | 6,3% |
Total (artigos) | 511 | 100% |
* Assuntos com apenas menos de cinco artigos publicados: 5G, Desarmamento nuclear, Itamaraty, Liberalização cambial, Liberalização comercial, Multilateralismo, OTAN, Reformas Nacionais, Regionalismo, Relações Brasil-África, Relações Brasil-Chile, Relações Brasil-Coreia do Sul, Relações Brasil-Cuba, Relações Brasil-França, Relações Brasil-Irã, Relações Brasil-Israel, Relações Brasil-Japão, Relações Brasil-Uruguai e Relações Brasil-Venezuela.
A IMPRENSA E AS PRIORIDADES DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
❏ EUA ❏China ❏Mercosul
- Nenhum 81%
- 89%
- 76%
- Favorável 4%
- 5%
- 15%
- Contrário 9%
- 5%
- 4%
- Neutro 5%
- 2%
- 4%
A maioria dos artigos não trata de temas considerados prioritários para a política externa do país*. De modo geral, os jornais assumiram postura mais favorável à atuação brasileira em relação aos Estados Unidos, e foi mais crítica quando se tratou da relação com o Mercosul.
*Neste semestre, metade dos artigos se concentraram em três assuntos: à postura do presidente na condução da política externa, a questão ambiental ilustrada pelas queimadas na Amazônia e a indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixada em Washington.
Orientações Gerais da Política Externa – Preferências da Imprensa
Os artigos de opinião, editoriais e entrevistas de especialistas, muito críticos com relação à condução política exterior, parecem concordar com, os princípios e valores que orientaram a política exterior do país até a posse do governo Bolsonaro. A abertura para o exterior, que chamamos de globalismo; a busca da diversificação das relações com países situados em diversas partes do mundo, que denominamos universalismo; a opção pelo multilateralismo, a presença ativa na região, e especial a participação no MERCOSUL; e relações mais próximas com os Estados Unidos e China. São todas opções de longo curso da política externa, que contam com apoio significativo entre os principais órgãos de imprensa e seus colaboradores.
Nacionalismo x Globalismo
- Nacionalismo 3.5%
- Globalismo 22.4%
A maioria dos artigos e editoriais publicados pelos órgãos de imprensa que acompanhamos assumem orientação globalista, com pouco mais de 20% dos artigos favoráveis ao globalismo e/ou críticos ao nacionalismo.
Unilateralismo x Multilateralismo
- Unilateralismo 0.4%
- Multilateralismo 19.1%
A maioria dos artigos e editoriais publicados pelos órgãos de imprensa que acompanhamos assumem postura favorável ao multilateralismo nas relações internacionais do Brasil.
Universalismo e Regionalismo
- Contrário 0.4%
- 2.2%
- Favorável 1.8%
- 8.9%
- Neutro 0.2%
- 0.4%
❏ Universalismo ❏ Regionalismo
A maioria dos artigos e editoriais publicados pelos órgãos de imprensa que acompanhamos são favoráveis ao universalismo e regionalismo na condução da política externa brasileira.
Relações Norte-Sul e Sul-Sul
Relação Norte-Sul
- Contrário 3%
- Favorável 9%
A maioria dos artigos e editoriais publicados pelos órgãos de imprensa que acompanhamos assumem postura favorável a relações Norte-Sul.
Relação Sul-Sul
- Contrário 2%
- Favorável 4%
A maioria dos artigos e editoriais publicados pelos órgãos de imprensa que acompanhamos assumem postura favorável a relações Sul-Sul.
Sobre o projeto
Hoje, a imprensa escrita é, a um só tempo, arena e protagonista de um debate informado sobre a política exterior do país. Por esta razão, o CEBRAP decidiu acompanhar o que pensam e dizem sobre o tema os principais órgãos da imprensa escrita, como protagonistas, em seus editoriais, e como meio, nos artigos assinados por seus colaboradores permanentes e eventuais.