Sustentabilidade e inclusão: o exercício do policentrismo

O ano de 2021 prometia grandes debates e importantes decisões em prol de uma agenda futura global mais sustentável e inclusiva. No entanto, o que se tem constatado é uma baixa coordenação entre narrativas, e a incoerência das agendas do setor privado e das políticas públicas. São esforços desencontrados, trabalhos desconectados e atuações centralizadas em torno de soluções de curto prazo. Uma clara assimetria de poder entre os países do sul e do norte global, refletida em estratégias e ações fragmentadas. A demora em estabelecer estratégias concretas e ações conjuntas, tem custado caro aos ecossistemas, e principalmente às populações mais vulneráveis. Esse retrato ficou evidente nos principais encontros mundiais que tratam da problemática ambiental e seus impactos sobre as populações humanas.

O primeiro encontro, ocorrido em setembro deste ano, refere-se a Cúpula Mundial da Alimentação que chamou a atenção sobre os desafios para promover a transformação dos sistemas alimentares, de modo que sejam mais sustentáveis e inclusivos. Destacou-se também a necessidade de se considerar as particularidades regionais e as diferentes condutas de consumo por parte dessas populações. Em contrapartida, cabe ressaltar que esta foi uma cúpula organizada sob forte influência do setor corporativo. Questões mais profundas em torno da fome e da segurança alimentar acabaram sendo tratadas sob um viés produtivista.

Se a situação atual da agenda alimentar global é preocupante, a da biodiversidade é ainda pior. Embora existam hercúleos esforços da comunidade científica, governos, organizações multilaterais e ONGs ambientalistas em garantir a conservação da fauna e flora de biomas severamente ameaçados, a agenda de soluções pouco tem avançado. Questões relacionadas à poluição e aos drivers da perda de espécies, associados sobretudo ao crescente desmatamento das florestas tropicais, foram exaustivamente debatidas na Cúpula da ONU sobre a Biodiversidade. Entretanto, as negociações e os acordos sobre a conservação ambiental têm progredido de forma bastante lenta.

Na esteira desses emblemáticos encontros, encerramos o ano de 2021 com a Conferência do Clima, realizada em novembro. A aguardada COP26 trouxe interessantes, mas controversas propostas como a regulação do mercado de carbono e as metas associadas às emissões de metano. Diante de um cenário de enorme expectativa sobre acordos climáticos mais ambiciosos, especialmente por parte das organizações da sociedade civil, faltou estabelecer como e por quem esses mecanismos seriam financiados, já que os países mais pobres e menos desenvolvidos têm muito menos recursos tecnológicos e financeiros de arcar com a redução das metas de emissão. E são nesses países onde ainda está o maior percentual de vegetações nativas remanescentes.

Mas, é fundamental destacar que temos avançado, e muito, em pesquisas científicas com sofisticados sistemas de monitoramento e modelos de predição. Temos buscado trabalhar coletivamente, por meio da construção de arranjos institucionais descentralizados, mais horizontais e diversificados. A literatura e a experiência internacional apontam que a efetividade e o bom desempenho das formas de governança sobre o manejo e uso dos recursos naturais não podem depender exclusivamente do Estado, nem do setor privado, e sim de iniciativas capazes de envolver um conjunto de diferentes atores e um conjunto de diversos espaços. A esses arranjos institucionais, a ganhadora do Prêmio Nobel de Economia em 2009, Elinor Ostrom, chamou de governança policêntrica.

Mesmo que governos e setores corporativos tenham boas intenções, essas instituições não são melhores para tratar dos problemas como as pessoas daquele local, pois são esses indivíduos que detém os maiores incentivos para escolher a melhor solução. A informação por trás da ideia compartilhada por Ostrom nos ajuda a entender porque temos demorado tanto para avançar de maneira mais assertiva, eficiente e inovadora na agenda da sustentabilidade e da inclusão. Por isso, é crucial olharmos para as experiências locais, considerando suas especificidades e particularidades. Compreender de que maneira esses arranjos institucionais podem ajudar a acelerar a transição para modelos de governança policêntrica capazes coordenar diferentes atores, em diferentes dimensões e escalas. E com isso, reduzir os impactos socioambientais e promover maior inclusão e sustentabilidade no manejo e uso dos recursos naturais.

A ação desses arranjos institucionais ajudará a fortalecer instrumentos de mercado e regras de comércio e de cooperação internacional, utilizadas por organizações multilaterais e investidores internacionais. Isso permitirá que essas entidades aloquem seus recursos em projetos de maior relevância e impacto. E, por conseguinte, também auxiliará governos, setor privado e organizações sociais a atualizarem suas agendas e qualificarem seus processos decisórios.

Autores: Louise Nakagawa, Arilson Favareto, Ariane Favareto e Tamara Tobias, pesquisadores do Cebrap Sustentabilidade

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