“São Paulo é uma cidade ingovernável.” Leia entrevista de Marta Arretche

O Estado de S.Paulo – IVAN MARSIGLIA

Uma cidade ingovernável. Esse é o adjetivo escolhido por uma das grandes estudiosas das metrópoles brasileiras para definir a São Paulo de nossos dias. Para quem topar a empreitada (e vencer as eleições municipais do ano que vem), a professora Marta Arretche lista as três prioridades: transporte, segurança e infraestrutura urbana. Em comparação com esses problemas, diz a especialista, saúde e educação estão mais bem encaminhadas.

Livre-docente em ciência política pela USP, Marta é pós-doutorada pelo Massachussets Institute of Technology (MIT). Diretora de pesquisas do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) desde 2007, assumiu o comando da instituição no ano passado. “Estudamos como o bem-estar dos indivíduos é produzido em suas relações com o mercado de trabalho, com o Estado ou por meio dos laços de parentesco, amizade e sociabilidade.”

Na entrevista a seguir, ela fala dos riscos da transformação de São Paulo em trampolim político para Brasília, explica as razões estruturais do esvaziamento das câmaras de vereadores em todo o País e demonstra como mesmo as políticas públicas mais inovadoras da metrópole tendem a ser tragadas por uma máquina clientelista e provinciana.

Termômetro nacional
“Tradicionalmente as grandes lideranças nacionais têm origem em São Paulo. Os presidentes Lula e FHC construíram suas carreiras políticas na cidade. Não é que a Prefeitura seja um butim político, mas as eleições municipais são interpretadas como um termômetro do pleito nacional. Há poucas evidências de que a eleição local seja definida por parâmetros nacionais: o eleitor escolhe alguém para de fato administrar sua cidade. O problema é que, muitas vezes, o posto é visto como plataforma para outros voos.

Baby faces
“Aparentemente os partidos estão optando por rostos novos. Mas não se pode esquecer que a decisão pelo nome de Fernando Haddad só saiu após um duro embate no PT. E que, no PSDB, ele ainda está em curso: se Bruno Covas e Andrea Matarazzo são possibilidades, José Serra não está de todo descartado. O fato é que os partidos têm que se renovar e, no mundo todo, a eleição para prefeito serve a esse propósito. É comum um partido jogar suas fichas em um candidato que sabe que não vai ganhar. Campanhas servem também para se projetar nomes.

Câmara vazia
“Por uma característica do federalismo brasileiro, as câmaras municipais são muito esvaziadas de capacidade de legislação. Hoje, as prefeituras do País se transformaram em grandes prestadoras de serviços. Há uma espécie de divisão de trabalho entre as unidades da federação segundo a qual a União se ocupa de políticas de renda e as prefeituras, das políticas de serviços. Ao governo federal cabe cuidar da previdência, seguro-desemprego, Bolsa Família. Aos municípios, gerenciar serviços urbanos de habitação, saúde e coleta de lixo. Só que mesmo essas áreas são muito regulamentadas pela União. Na área da saúde, o espaço para a inovação municipal se restringe ao local onde serão instalados postos e hospitais. Na habitação, as prefeituras tendem a se ater aos programas financiados pelo Ministério das Cidades. Mesmo a coleta de lixo segue parâmetros definidos por Brasília.

O provincianismo da capital
“Por consequência do esvaziamento das câmaras, elas têm pouca presença política e seus quadros nem sequer têm capacidade técnica para se contrapor à prefeitura. Acabam ficando muito atrelados ao Executivo. É da tradição do pensamento político brasileiro uma grande desconfiança em relação ao plano local. Ele é visto no País como o lugar da corrupção, do clientelismo, do provincianismo. Tanto que, hoje, o grande debate entre os legislativos nacional e municipal é em torno do tamanho das câmaras de vereadores. O argumento é de que se deve diminuí-las para evitar que seus representantes concedam aumentos exorbitantes a si mesmos.

Mandato impossível
“São Paulo é uma cidade ingovernável. É tão complexa, tem tantos contrastes e demandas que os problemas desabam sobre a Prefeitura. Como ter alguma capacidade de gestão sobre o trânsito da cidade se as montadoras despejam milhões de carros por ano nas ruas? São Paulo é uma cidade de dimensões comparáveis à de países europeus e é difícil se ter uma política centralizada eficaz. Uma boa ideia, infelizmente abandonada, foi a de se reforçar as subprefeituras, descentralizando a autoridade na cidade. Aproximar mais a gestão dos cidadãos seria uma solução.

A chamar-te de realidade
“Em São Paulo o novo e o velho convivem o tempo todo. Qualquer gestor que lance uma inovação, por mais criativa que seja, esbarra na parte mais difícil, a implementação. E as novidades encontram uma máquina previamente ocupada pelos mais variados tipos de práticas e interesses. Aí, o velho entra. É uma dinâmica que se repete e é tão mais grave quanto mais complexo for o programa.

Os três nós
“Em termos de educação e saúde, o município de São Paulo não está tão atrasado. O acesso dos pobres a elas é universal. Os três grandes problemas da cidade hoje são transporte, segurança e infraestrutura urbana. A mobilidade é o grande nó da metrópole. O Censo de 2010 incluiu pela primeira vez a pergunta: ‘Quanto tempo você gasta no trânsito diariamente?’ Os dados ainda não saíram, mas a partir deles poderemos ter uma ideia mais clara de seu custo econômico e social em cada cidade do País. Pesquisas de origem e destino do metrô mostram que um cidadão paulistano gasta, em média, uma hora e meia, duas horas em deslocamentos por dia. Algo que ainda não aparece aos olhos da opinião pública como o problema social que é – o tempo de vida subtraído das pessoas no trânsito. A segurança, fora da alçada das prefeituras, consome cerca de 12% do orçamento dos Estados, com resultados insatisfatórios. E a infraestrutura carente, em especial nas periferias, potencializa os dois problemas. Enfrentá-los é o grande desafio.”

FONTE O Estado de São Paulo

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